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a morte

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Mensagem por Ornela Sex 30 Jul 2010, 20:46


é um pouco grande ... O dia amanheceu bonito hoje. Ensolarado, com uma leve brisa. As pessoas
ao meu lado estão calmas e aparentemente felizes. Isso de certa forma
me dá ânimo e coragem para relatar a vocês a história que transformou
a minha vida. Aconteceu há mais ou menos, dois anos atrás. Bem, antes
eu peço ao caro leitor que permita-me uma apresentação. Meu nome
é João Umério Carneiro Antunes, mas meus amigos me chamam de Juca,
devido às iniciais. Eu trabalhava como fotógrafo em um jornal aqui
no Rio, comecei na parte criminal, fotografando presunto, ou melhor,
defunto, ou cadáver, enfim, fotografava gente morta. Na verdade isso
não me agradava nem um pouco, mas precisava pagar as contas. Foi assim
durante um bom tempo. Até que um dia, consegui pular para a parte social.
Foi a glória. Festas, eventos importantes, estava onde sempre quis.
Porém, essa minha boa vida não durou muito tempo. Fui avisado que
o fotógrafo que entrara no meu lugar não havia segurado o tranco e
acabara pedindo demissão. Protestei, falei que não queria voltar,
mas eles dobraram meu salário e assumiram a prestação do meu carro,
alegaram que precisavam de mim, porque eu era o melhor naquela área.
Porra nenhuma, eles é que não arrumaram ninguém para tirar foto de
gente morta. Porém, a oferta era muito boa. Sendo assim, assumi a minha
nova (antiga) função.



Bom, agora que vocês já me conhecem, eu posso começar a história.
Era um dia parecido com o de hoje, estava fazendo um lanche no bar que
fica logo em baixo da redação, ia tirar umas fotos num apartamento
na Barra, onde um velhinho matou toda a família, até o cachorro. Disse
depois em seu depoimento que a chacina foi devido à falta de atenção
da família para com ele, mas isso é uma outra história. Então, voltando
ao nosso assunto, eu estava fazendo um lanche, quando o Lúcio, um amigo
das antigas que tinha ido morar fora do país, entrou no bar.
Éramos como irmãos, embora nossos gostos fossem totalmente diferentes:
Se eu gostava de samba, ele gostava de heavy metal, se eu gostava
de cinema europeu, ele adorava a pipoca estadunidense, mas nos dávamos
muito bem, apesar da diferença. – Aí, seu mané. - Gritei
dentro do bar chamando sua atenção. – Juca! Porra mermão como você
tá?. Logo de início, notei que tinha algo estranho, a começar pela
sua aparência. Lúcio sempre foi aquele tipo modelo, sabe qual é?
Alto, forte, bronzeado, adorava uma praia... mas a figura que estava
em minha frente apresentava uma coloração extremamente pálida, sem
falar nas olheiras, e o corpo; ele devia estar pelo menos uns cinco
quilos mais magro. Ignorei a sua forma física, afinal de contas, ele
podia estar passando algum momento complicado em sua vida. Começamos
a trocar idéias, ele falou o quanto foi difícil o começo de sua vida
no exterior. Ele havia partido com o sonho de ser músico, mas encontrou
uma realidade diferente, no fundo eu sempre soube que ele não daria
a mesma sorte dos caras do Sepultura, mas ele não me ouvia. Continuamos
nossa conversa, ele falou que estava quase entregando os pontos e voltando
para o Brasil, quando conheceu a Brenda. Menina bonita, bonita
mesmo, ele me mostrou uma foto, parecia até uma bonequinha a danada.
Ele falou o quanto ela era culta, sabia inclusive coisas de nosso país
que ele mesmo não sabia. Ela deu a maior força pra ele. Descolou um
bar onde ele podia tocar música brasileira. Com o tempo eles começaram
a namorar, Lúcio era bom na arte da sedução, quando éramos adolescente
eu sempre perdia as melhores garotas para ele. Ele disse que estava
numa boa, e que planejava inclusive ter um filho com ela. E é justamente
aqui que a história fica esquisita.



Ele contou que tudo ia a mil maravilhas, até que um dia, quando voltavam
do cinema, foram surpreendidos por um tiroteio na rua. Uma das balas
acertou o peito dela, pra ser mais exato o coração. Brenda morreu
nos braços de Lúcio. Se tivesse sido comigo ou com você, certamente
enlouqueceríamos. Sinceramente nem sei qual seria minha reação diante
de tal covardia. Mas com ele não foi assim. O maluco virou pra mim
com aqueles olhões verdes e falou o seguinte: – Cara, pela primeira
vez eu pude ver, sua beleza real. – Olhei para ele com cara de quem
não estava entendo, porque eu realmente não tinha entendido nada daquele
comentário. Ele prosseguiu: – Logo assim que o último suspiro foi
dado, levando consigo qualquer resquício de vida, o rosto de minha
amada tomou um outro formato, só existente no rosto de uma criança
recém nascida: a forma da inocência, da bondade... uma lágrima rolou
do olho esquerdo de Brenda quando ela estava morta em meus braços,
percebi que não era uma lágrima de dor, nem de tristeza. Era uma lágrima
de alegria; alegria por ter passado para um plano superior. Naquele
momento, eu compreendi que a morte não é esse monstro que todos temem,
não. A morte é uma coisa linda, ela vem nos livrar da dor que o mundo
nos impõe.



Olhei para o relógio e vi que o tempo estava avançando. Ainda bem,
porque aquele papo não estava nem um pouco agradável. Tentei despistar
Lúcio dizendo que tinha que trabalhar, e tinha mesmo, mas ele insistia
em ir comigo, falava que queria recuperar o tempo perdido de nossas
conversas. Aceitei, desde que ele não tocasse mais naquele assunto,
na verdade eu também queria que ele visse a verdadeira face da morte.
Falo daquela em que o tiro pega na cara deformando totalmente a figura
humana, talvez assim ele tirasse aquelas idéias babacas da cabeça.


Até que Lúcio se comportou bem na cena do crime, não fez nenhum comentário,
apenas olhava cuidadosamente cada vítima. A porra do velho tinha feito
uma merda danada. Matou a família com tiros de uma escopeta calibre
doze. Pior que tinha uma criança no meio, como pode um desgraçado
desses fazer isso com uma criança? E o cachorro, lembram que
eu falei do cachorro, pois é, ele arrancou a cabeça do animal com
um tiro. Bati as fotos o mais rápido possível, queria sair logo daquele
inferno, jurei que pediria demissão tão logo acabasse as prestações
do carro. Como estava fazendo um calor danado e Lúcio havia se comportado
bem, resolvi convidá-lo para mais tarde beber uma coisa numa
boate que havia inaugurado há pouco. Ele topou, fui pra casa e caí
na cama, sono pesado, pesado e acompanhado de pesadelo. Foi terrível,
acordei com o toque do interfone, era Lúcio, dormi mais que o normal.
Porque a gente não acorda rápido quando tem pesadelos, como acontece
nos sonhos bons. Troquei-me rapidamente, e partimos para a boate. Lúcio
ficou em silêncio durante o percurso, me incomoda muito ter uma pessoa
em total silêncio ao meu lado, mas me incomoda ainda mais ter alguém
falando merda no meu ouvido, sendo assim aquele silêncio me soava mais
agradável que um samba do Cartola.


Chegamos na tal boate, lembro-me que era um espaço maneiríssimo, havia
três telões, enquanto um passava cenas de filmes nacionais, outro
passava desenhos dos mais variados e o outro passava paisagens urbanas
e rurais das cidades brasileiras. Atrás do bar, tinha uma pintura,
do que parecia ser uma sabiá expressionista. E a música era
aquela MPB com batida eletrônica, sabe como é, né? Pedi para Lúcio
me esperar enquanto eu comprava uma cerveja. No caminho até o bar,
encontrei um amigo de faculdade, ficamos trocando idéia até eu me
dar conta que já tinha passado meia hora e eu tinha me esquecido completamente
de Lúcio. Corri, peguei as cervejas certo que ganharia aquele
esporro e pior que ele estaria com toda razão. Quando me aproximei
do local percebi que ele conversava com uma mulher, naquele momento,
me senti aliviado com a presença dela. Cheguei envergonhado me desculpando
e explicando o motivo do atraso. Lúcio não se importou, pelo contrário,
me abraçou sorrindo e apresentou-me à mulher como seu melhor amigo.
Ela sorriu e apertou minha mão. Sua mão estava gelada, o que me lembrou
Helen, uma menina que havia estudado comigo na oitava série, que devido
àquele toque frio sempre fugia das provas alegando que estava passando
mal. Ele não me falou o nome dela, isso porque naquele momento nem
mesmo ele sabia. Ela era linda, bem mais bonita que a Brenda. Tinha
a pele bem clara, o cabelo era um loiro super loiro, difícil até de
explicar, os olhos lindos, que lembravam o alto mar, seu corpo era esguio,
como o de uma modelo, não era aquele tipo gostosona bundão, peitão,
mas era perfeita; digo isso em todos os sentidos, porque fomos para
uma parte reservada onde podíamos conversar e ela mostrou uma cultura
enorme, que ia da história antiga até a atualidade, conhecia cada
detalhe de qualquer país, de qualquer povo. Todas tragédias com seus
motivos, enfim, ela era demais. Na hora eu tinha a total certeza de
conhecê-la de algum lugar, imaginei que fosse devido à agradável
conversa que estávamos tendo. Resolvi me mandar e deixar Lúcio com
ela, afinal ele estava mesmo precisando conhecer pessoas do sexo oposto.


Fui pra casa e desabei novamente, mais sono pesado, acompanhado de mais
pesadelo e sendo mais uma vez acordado, agora pelo toque do telefone.
Atendi, era do jornal, queriam que eu fosse fotografar um acidente com
vítimas. Xinguei, xinguei, porém acabei indo, afinal era o meu trabalho.
Cheguei no local do acidente, dois carros haviam colidido de frente,
um deles era um taxi e a cena que vi deixou minhas pernas tremendo,
fazendo o ar sumir dos pulmões. Uma das vítimas era justamente o meu
amigo Lúcio. Não queria acreditar naquilo, horas antes eu estava com
ele, agora o meu amigo estava ali morto em frente aos meus olhos. Não
sei se vocês já passaram por isso, mas a sensação de perder alguém
querido assim, dessa maneira, é a pior do mundo. Percebi que mesmo
depois de ter tirado todas aquelas fotos de cadáveres eu não conseguia
me adaptar à morte, mais que isso eu detestava a idéia de morrer um
dia. Fiz com muito esforço o meu trabalho e fui embora correndo para
casa.

Chorei muito, Lúcio parecia ter encontrado a felicidade novamente,
não merecia morrer. Fui para meu laboratório revelar as fotos, estava
muito abalado com todo o ocorrido. Foi justamente quando a última foto
começou a tomar forma que eu vi a imagem mais macabra da minha vida.
Lúcio havia sido arremessado, como eu não tive condições de bater
a foto de perto, eu tomei um pouco de distância, devido a isso na foto
apareciam os populares além do corpo de Lúcio. E entre as pessoas
estavam eles, Lúcio e a mulher da boate, abraçados, sorrindo e acenando
para mim. Senti minhas pernas tremerem novamente, meu coração bateu
aceleradamente, corri para a sala e virei um copo de uísque.


De repente algo me veio a cabeça. Corri e peguei todas as fotos que
eu havia batido durante essa minha infeliz carreira. Não podia ser
verdade, ela estava em todas. Tudo ficou claro naquele momento. Eu entendi
porque eu tinha a sensação de conhecê-la, pior entendi porque suas
mãos eram frias. Aquela mulher que eu conhecera era ninguém mais,
ninguém menos que a morte. Aquela obsessão de Lúcio na verdade não
era uma obsessão, ele havia se apaixonado pela morte, essa entidade
maldita, ele foi o que ela sempre procurou, um companheiro que a amasse
profundamente. Queimei todas as fotos, não queria ver aquelas imagens
nunca mais.



Agora eles estão juntos, enquanto eu estou nessa clínica psiquiátrica,
meus familiares me internaram pensando que estivesse louco, afinal,
queimei as provas. E assim eu encerro essa história, meus amigos. Esperando
e temendo o dia em que ela virá me buscar junto do meu finado amigo.


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Mensagem por Ornela Ter 30 Nov 2010, 17:17

ate hj n terminei de ler isso kkk
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